16.5.06

A FALTA

Esse texto foi publicado no livro A Ilha, em 1999.

A FALTA

Marcelino Rodriguez

Tive uma sensação estranha essa manhã, ao acordar; tive um felling, se me permitem usar essa palavra inglesa para definir o sentimento que me tomou. A sensação de que estava me faltando alguém. Ora, sou solteiro há muitos anos, desde que nasci. E minhas namoradas nunca permaneceram mais que quatro dias na minha cama. De modo que acordar sozinho é o meu cotidiano. A alma já era para estar mais que acostumada. Essa manhã, porém, foi diferente. Não houve nem conformismo nem consolo pela clara falta que havia, acrescentada da sensação de vazio mais impo-tência. E veio a melancolia da banda que faltava. Eu poderia até chorar um pouco de saudade pela falta real de alguém que eu sentia, claramente. Descobri, perplexo, que eu sou eu mais alguém que falta. Isso é tão comovedoramente romântico quanto trágico. Quem é ela? Quem é a outra que não acordou comigo hoje? A outra que é minha? Existe alguém no meu coração, na minha vida, na minha alma. Mas não dormimos, infelizmente (minha boca enche de água e deve haver uma atmosfera soturna ao meu redor quando lembro disso, uma es-pécie de sombra pela falta desse pequeno e fatal detalhe amoroso). Seria dela a estranha saudade de hoje? Uma saudade única e comprometedora? De quem dei por falta hoje, ao acordar? De um anjo que não me velou? Um amor de outra vida? Não era apenas um sentimento de solidão. Era como se alguma parte de mim, outra pessoa (não al-guma compensação psicológica) estivesse me faltando e me enfraquecendo, como se faltasse-me um membro com a falta dela. Era como um absurdo eu estar acordando só. Esse acontecimento soa-me sobre a vida deve-ras revelador, tanto como sou mais que penso como de perplexidade de saber que outra vida, que não sei por onde vai, vai levando a minha junto. Só resta sa-ber porque deixa-me, a tantos e tantos anos, acordar impiedosamente só. E por que só hoje dei-me conta dessa saudade infinita? Talvez desde o Éden essa parte de mim esteja apartada. Mas só hoje, verdadeiramente, dei-me conta da sua real e tangível existência. Pode ser que aquela que hoje me toma o cora-ção tenha alguma participação nesse mistério, pois fora dela não há nem o sonho de outra Eva, nem a esperança de outro paraíso. Alguns que se pensam realistas dirão que tive um surto e tentarão até explicar o fato perceptivo com alguma definição psiquiátrica. Outros me acusarão de sonhador, rótulo nem sempre cabível a mim, xerife da selva. Terceiro nem saberão do acontecido, por falta de cultura ou interesse. Mas a realidade que já torna-se prolixa de tão certa é que dei por falta do meu amor, um amor que é mistério e certeza, ainda que temporariamente apartado de mim pelo ilusório tempo e o não menos ilusó-rio espaço, um amor que me faz reconhecer a minha incompletude e faz saber que hora haverá em que as misteriosas leis do universo tra-lo-á de volta a mim, árvore e fruto dessa fatalidade divina.

31/08/99.

8 comentários:

Marcelino Rodriguez disse...

TESTANDO

Mônica disse...

vim agradecer a visita e conhecer teu blog.

e o prazer foi todo meu em conhecer teus escritos

Marilyn disse...

Oi Marcelino,
Valeu pelas palavras.
A verdade é essa... "unir os sensíveis".
;)

Anônimo disse...

Olá! Vim agradecer sua visita e conhecer seu blog. Gostei do texto. Abraços e tenha uma boa tarde.

Palpiteira disse...

Olá, Marcelino. Um prazer estar aqui.
Diz uma coisa, isso foi em 99. Por acaso o misterioso e certo amor veio a lhe completar? Espero que sim. :)
Beijos.

Anônimo disse...

ai, ai, sou mestra em saudade..
bjoks

uma das Sheylas. disse...

sensibilidade existe.

Anônimo disse...

Você (quase) descreveu o que eu sou e como me sinto, vez ou outra.

Beijos.