23.5.06

O RATO DA NET, A SUA RÁDIO CLANDESTINA


Marcelino Rodriguez


Recebo uma mensagem de gratidão de uma amiga a quem mandei os versos de Adélia Prado, pela rede. Diz-me ela que não conhecia a obra da poetiza mineira; recebo outras mensagens de todo tipo: esotéricas, de carinhos, de conforto, solidariedade, de ciúmes e até promessas de amores, que, realizados ou não, não deixam de ser manifestações da vida. Às vezes também, alguém que não compreende as minhas intenções, na maioria das vezes, nobre, me diz algum desaforo, ao qual acho graça ou revido. E sou gratíssimo a rede por tudo que ela me tem dado: muito mais diamantes que poeira, mais trigo que joio. Nunca gostei muito de aparecer em público e nem que soubessem minhas boas intenções, já que as más ficam sempre em segredo. E acredito que um dos meus sonhos mais recônditos seria fazer um programa de rádio onde eu pudesse fazer exatamente o que estou fazendo pela rede, compartilhando a vida coletiva sem expor-me pessoalmente. Divulgando culturas e maravilhas que descobri ao longo da vida. Dou-me bem com livros, mas atrapalho-me com as pessoas, muitas vezes (ou as atrapalho também). Outras vezes, sou chato porque escrevo e quem escreve sempre tem algo a dizer a mais ou a menos do que sente da vida. Além de querer se vender. Nunca deixa a vida em paz; é um estranho revide! Aqui não, tudo é gratuito, como no projeto inicial de Deus! Espelho da vida, na rede circula de tudo! Altas e baixas vibrações, e nós, internautas, formamos realmente uma comunidade especial e privilegiada, já que muita gente não tem meios de possuí-la ou sequer sabe de sua existência. Às vezes esquecemos que o mundo é grande e pensamos, ainda que breve, que todos gozam desse privilégio que gozamos de sermos internautas. Não!, Deus escolheu-nos, podem acreditar! Somos nós que aqui estamos que devemos aproveitar essa oportunidade para adquirirmos e distribuirmos cultura, informação e entretenimento. Embora mundial, a rede tem de sobra alegrias sul-americanas Que vem da nossa cultura, literatura e comunidades. Aqui na rede podemos voltar a redescobrir nosso continente, que anda esquecido da mídia de massas alienante, pois influenciada pelo mercado hegemônico externo, quase nunca inteligente. Refiro-me aos “Rambos” do norte. Aqui temos certeza que não é a economia que produz qualidade, mas a verdadeira democracia de expressão, do qual a rede é uma maravilhosa pioneira, em todos os sentidos! Tenho deliciado-me redescobrindo nossos autores e valores, nossa história, nossa labutas ideológicas e políticas. Voltei a sentir-me cidadão, pois aqui, bem ou mal, expresso-me e compartilho a vida, com anônimos e conhecidos, todos igualmente queridos. Voltei a sentir-me vivo e gente humana, já que pelas ruas e relações atuais da vida das metrópoles somos todos anônimos e solitários; andamos com pressa e às vezes assustados. Aqui não, estamos protegidos e articulados. Bem, finalizando, de vez em quando eu mandarei, além das mensagens dos outros, também as minhas (mais raramente, pois sou bissexto por princípio). Não precisam dar-me nada por isso; se não gostarem ou estiverem ocupados, deletem-me ou deixem para outra hora. Se quiserem falar ou revidar, por favor, façam também! E confiem em mim! Estou apenas realizando um velho sonho, o de ter um meio que possa falar sem ser visto, como o personagem de um filme que vi uma vez (não lembro o nome), que distribuía esperanças de sua rádio clandestina, localizada na sua cidade em ruínas. Só que ele dizia que “ele era a esperança, que sua cidade era uma maravilha, e com sua tenaz insistência em não aceitar a derrota (ele era meio pirado), acabou servindo de farol para alguém que procurava um sinal de vida fértil na cidade prometida pelo tal radialista”. Uma vizinha disse-me que eu pareço um Rato de Esgoto, mas que ela gosta de mim. Olhei-me no espelho e vi: eu sou realmente parecido com um Rato de Esgoto; maravilha! Mas a partir de hoje, dezesseis horas e trinta e nove minutos, nasce um novo personagem no show business da Net mundial: O Rato da Net! Daqui sairão mensagens para todos que quiserem acolher a esperança de jamais aceitar o esgoto, pois o Rato da Net afirma pra vocês que tem um pacto com as estrelas. E que jamais será vencido! Publicado em Boneco De Deus, 2002 - Luz do Milenio Editora

O escritor é euro-brasileiro

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