14.9.06

PALAVRAS DO FRONT
Manhãs de Setembro - trecho de Bom Dia, Espanha! -

Marcelino Rodriguez
Deixa eu te dizer minha Bela, algumas palavras aqui do meu exílio, onde o frio anda tão grave quanto a solidão. Alguns anos atrás, havia uma cantora que cantava “As manhas de setembro”, a Vanusa, te lembras? Pois e´. Nesse tempo, eu era um menino e como dizia a musica, “ eu coloria as flores”. Acreditava em muita coisa; acho ate´ que era feliz, embora eu não goste dessa palavra. Havia família ao meu redor, porque quando somos crianças, acredito que a sorte nos chegue de uma forma mais poe´tica, mais colorida. E o sucesso não nos e´ imposto como uma religião. Havia amigos, porque naquele tempo a solidão ainda não tinha se instaurado de forma tão brutal como hoje existe entre os homens. As pessoas se respeitavam mais porque Vanusa ensinava os vizinhos a “amar nas manhas de setembro”. Eu era sonho e luzes; potencia e esperança. Acreditava no amor como em Deus, via as mulheres como criaturas boas e frágeis. Enfim, tudo era tão puro para mim, quanto era meu coração. Sim, minha Bela, tudo isso nos anos seguintes foram caindo, como um castelo de cartas ao vento. O mundo não era o imaginado; as pessoas pouco se ajudam a sobreviver, estragam seus amores, inventam religiões e deuses ale´m do necessário, se perseguem e se matam, por vezes, tudo isso perfeitamente dentro das leis humanas. Com tudo isso, fiquei só num território imenso. Hoje já nem sei mais qual meu pais ao certo, ou onde me levara´ o meu destino, sob qual bandeira irei defender-me. Tudo me parece tão feroz. Confesso que ando com muito frio, e quando chegam mensagens suas e´ como uma visão de um campo de flores ao longe. Eu gosto de ver e ler. Daqui eu não me exponho porque deves imaginar a melancolia de quem vive no front da guerra. Acho muito peculiar e consolador que um soldado relembre que existe ainda alguma beleza e candura na terra; podes acreditar, dentro desse deserto que tenho vivido, com combates de golpes baixos e sem beleza, lembrar sua fisionomia, a extensão de seus cabelos e a abertura de seu sorriso, sua prosa, faz-me recordar que ainda estou vivo e que meu coração e´ capaz ainda de perceber algum encanto, apesar de tudo que me cerca aqui e adiante, nas leis internacionais de infelicidade que os homens criaram. E´ sempre, receber mensagens suas, como tomar um chá´ bem agasalhado, estando a temperatura baixa. Só Vanusa não canta mais, nem se faz mais música como antigamente. Mas meu setembro fica melhor quando alguém se lembra de mim, ainda que de leve. Principalmente se fores tu; porque do resto minha bela, eu tanto esqueci quanto fiz questão de ser esquecido. Porque tens sido suave, te dou, mesmo aqui do front, o que me resta de delicadeza com gratidão. 03/09/2003

Uma leitora gostou desse texto do livro Bom Dia ,Espanha e por isso estou postando aqui.